terça-feira, 10 de abril de 2018

Para Quê Nos Preocuparmos Com a Morte?

A Morte nas Frases - Suspiro nº 5

"Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro." - Confúcio

"A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace." - Victor Hugo

"A fama é para os homens como os cabelos - cresce depois da morte, quando já lhe é de pouca serventia." - Albert Einstein

"Dois amantes felizes não têm fim nem morte, nascem e morrem tantas vezes enquanto vivem, são eternos como é a natureza." Pablo Neruda


Diário da Foice, 22 de agosto de 2016

Médico Legista Opera Quem Já Morreu


A Morte nas Frases - Suspiro nº 4

"O trabalho mais fácil do mundo é o do médico legista. Operar quem já morreu. Qual é a pior coisa que pode acontecer? Se tudo der errado, o máximo que vai acontecer é o coração do defunto voltar a bater."

"Algumas pessoas tornam as outras felizes aonde quer que vão. Outras, quando se vão."

"Evite piada em velório. No seu, você não rirá."

"Se tudo que é bom dura pouco, eu já deveria ter morrido a muito tempo."


Diário da Foice, 19 de agosto de 2016

Pobre Quando Sai da Merda Morre


A Morte nas Frases - Suspiro nº 2

"Na minha lápide podem escrever o seguinte: A partir de agora, não contem mais comigo."

"Eu não tenho medo de morte, eu apenas não quero estar lá quando acontecer."

"Homem nasce sorrindo, vive fingindo, cresce traindo e morre mentindo ..." (autoria: uma mulher).

"Pobre é como lombriga, quando sai da m*rda morre."


Diário da Morte, 5 de agosto de 2016

Flertando Com a Morte


A Morte nas Frases - Suspiro nº 1

"Eu sempre quis ter escrito no meu testamento que, quando eu morresse, o caixão aparecesse uma hora e meia atrasado, e escrito na lateral, tipo em dourado, 'Desculpe pelo Atraso'!” - AXL ROSE

“Não é difícil escapar da morte. Todo soldado sabe, basta sair fugindo. O mais difícil é escapar da maldade, pois ela é mais rápida que nós” - SÓCRATES

“Quando eu morrer todos vão chorar, todos vão sofrer. Mas um louco fazendeiro me transformará em um lindo pé de maconha. Passará por mim me comprará, me fumará. E verá que mesmo depois de morrer, continuo fazendo a cabeça.” - BOB MARLEY


Diário da Foice, 2 de agosto de 2016

Astrid - Paixão Além da Morte


Como vocês bem devem imaginar, sou um cara solitário. Trabalho muito, saio pouco, e tenho pouco tempo para cuidar de minha vida pessoal. Por conta disso sou um cara naturalmente carente e que se apaixona fácil. Assumo isso sem problemas. Já fui do tipo que ligava toda hora, que enviava flores roubadas de velórios, e dava de presente ursinhos de pelúcia segurando pequenas foices de pelúcia também com bilhetinhos onde se lia “Estou mortinho de saudades”. Sim, eu sabia que isso era brega, ridículo, mas, o que eu podia fazer? Eu já fui assim, xonadinho mesmo.


Porém, notem bem o tempo verbal: FUI! Depois de meu último desastre amoroso aprendi a não me entregar tão fácil. Confesso que o meu último relacionamento tornou-me um cara mais duro e frio. E olha que de gente dura e fria eu entendo.

O nome dela era Astrid.

Ela era enfermeira e a conheci em um hospital da Noruega no auge da pandemia de gripe espanhola em 1919, num momento em que eu estava, óbvio, atolado de trabalho. Tanto que se eu cobrasse de Deus as horas extras atrasadas dessa época ficaria rico só com os juros. Eu estava dando cabo de um marinheiro sueco quando ela me puxou pela manga da túnica e perguntou com a sua voz meiga e suave “Reverendo? É o senhor?”.

Normalmente eu odeio quando me confundem com padre e já me viro putaço quando acontece. Daquela vez, entretanto, ao me virar, deparei-me com o mais lindo exemplar da frágil espécie de vocês. Quando Deus desenhou Astrid, ele não estava namorando. Ele deveria estar no Bahamas ou no Café Photo se divertindo ainda mais.

Alta, loura, traços nórdicos, o cabelo preso em trança holandesa, olhos azuis e completamente cega. Astrid era a mulher perfeita para mim. Até o fato de não poder enxergar ajudava, pois evitou que ela saísse gritando e correndo logo de cara, o que acontece em 99,8% dos meus primeiros contatos.

Disse a ela, gaguejando, e já completamente apaixonado, que não era padre, que eu estava ali só para buscar umas encomendas. Óbvio que não disse que encomendas eram. Afinal, apresentar-se como “A Morte” num primeiro encontro queima MUITO o filme.

Papo vai, papo vem, perguntei se ela estaria livre depois do serviço. “Não posso sair hoje”, ela disse, “eu cuido sozinha desse andar do hospital e há muitos doentes precisando de meus cuidados…”

Bem, acho que nem preciso dizer o que fiz. A foice cantou naquele hospital. Em cinco minutos dei conta dos moribundos do andar inteiro. Aproveitei e levei todos do andar de cima e de baixo também, só pra garantir. Empacotei geral. Ah, as pequenas loucuras do amor… Rio muito disso quando lembro hoje.

Eu e Astrid saímos naquela noite e em muitas outras depois. Até hoje muita gente acha que a gripe espanhola matava rápido por causa de uma mutação do vírus, mas não é nada disso: eu é que corria com o serviço para ficar mais tempo com ela. E tudo foi bem até que o meu segredo começou a ameaçar nossa relação. Apesar de cega, Astrid começou a desconfiar de meus horários, meus assuntos, e meus modos. Afinal, não é todo mundo que tem dois metros de altura, viaja pelo mundo inteiro e volta em segundos, e se refere a Deus intimamente como “aquele sujeitinho detestável”. Peguei-me em um conflito insolúvel: eu não encontrava um jeito de contar a verdade a Astrid sem arriscar perdê-la.

Um dia fiz um teste e perguntei a ela naturalmente, como quem não quer nada, se ela ainda me amaria caso eu fosse um ser sobrenatural cruel, assassino, e implacável. Ela não entendeu bem a pergunta, mas disse que me amaria de qualquer jeito, e que não se importaria se eu fosse um assassino demoníaco desde que fosse honesto, honrado, e não matasse sua amada e estimada tia Zelda. Assim que ela disse isso, um frio percorreu minha espinha. Pedi licença dizendo que iria ao banheiro e saí correndo pela janela da sala. Fui fazer uma ligação urgente pra Deus e pedir para ressuscitar a velha que eu tinha empacotado cinco minutos antes sem saber que era a tia dela.

Quem atendeu minha ligação foi Gabriel, já que Deus, como sempre, nunca quer falar com ninguém. O anjo estranhou o pedido, disse que não podia fazer nada. Eu implorei a ele para interceder por mim, me humilhei como nunca fiz antes por ninguém. Gabriel sacou no ato: “tem mulher no meio, não tem?”. Eu disse que sim e ele sorriu safado: “Aí, malandrão, hein? Vou falar com o Chefe e ver o que posso fazer”. Desligou. Dez minutos depois uma velha de 104 anos ressuscitava em Bergen. Foi até notícia no jornal na época.

Passado o susto, nossa relação continuou sem sobressaltos. Mesmo com a sombra do meu segredo pairando sobre nós, nosso amor e nossa paixão cresciam a cada dia. Eu e Astrid passeávamos de carro pela Europa, corríamos por campos verdejantes, ríamos muito, a vida tinha um clima de “Noviça Rebelde”, mas sem as musiquinhas xaropes. Fizemos muitos piqueniques às margens do Danúbio, onde tudo era lindo: enquanto ela colhia flores de um lado, eu colhia uns dois ou três cadáveres afogados do outro. Foi a melhor primavera de nossas vidas. Tanto que, depois de poucos meses de namoro, resolvemos nos casar.

Escolhemos juntos uma pequena capelinha em Oslo, tudo muito romântico, evento para poucas pessoas, já que a família dela se borrava de medo de mim. Muito provavelmente devido as ameaças que fiz a eles de levar um a um caso alguém contasse a verdade a ela. A única pessoa que compareceu, ironicamente, foi tia Zelda, que também se borrava de medo de mim, mas como a velha já fazia isso naturalmente por causa do Alzheimer, nunca dava para perceber exatamente o motivo pelo qual estava se borrando. Do lado dos meus convidados, quase ninguém foi também. Deus, para variar, furou alegando não ter roupa. Claro que não acreditei no sujeitinho detestável.

A cerimônia foi bonita, mas durou muito pouco. Um pequeno mal entendido, e minha total inexperiência em casamentos, estragou tudo. Quando o padre disse “até que a morte os separe”, eu achei que ele estivesse gorando nossa relação, fazendo intriga mesmo. Tomei como provocação pessoal e quis partir para a briga. Astrid não entendeu nada, mas quando o Padre falou sem querer quem eu era, todo o segredo foi para as cucuias ali.

Magoada, Astrid desistiu de tudo. Disse que até aceitava que eu fosse um abutre do além, carniceiro e implacável, mas que não tolerava que mentissem para ela, e que não queria me ver nunca mais. Eu disse a ela que isso era impossível, que a gente iria ter que se encontrar pelo menos MAIS UMA vez, mas ela não quis saber: atirou o buquê no chão e me abandonou no altar.

Só fomos nos encontrar novamente em um acidente de avião em 1969. Ela fingiu que não me reconheceu, eu também fingi que não a conheci, mas quem estava à nossa volta percebeu que ainda havia um certo calor em nossa troca de olhares. Mas também podia ser por causa da fuselagem em chamas, sei lá.

Só sei que hoje toda vez que penso em Astrid tenho vontade de varrer todas as louras da face da Terra, mas me contenho. Vocês não tem ideia, mas uma caixa de Blondor oferece mais riscos às mulheres do que apenas não acertar o ponto da cor. Daquela relação, e daqueles momentos, eu carreguei apenas a melancolia de um coração vazio.

E, só de raiva, carreguei a Tia Zelda também.

Diário da Foice, 2 de maio de 2010


Fonte: Diário da Foice - WordPress

Relaxe! É Só Uma Cirurgia Simples


Poucas áreas do conhecimento humano são tão pródigas em facilitar o meu trabalho quanto a área médica, a minha preferida depois da indústria bélica. Apesar dos seus profissionais dizerem que tentam o exato contrário, nada supera a medicina no quesito fatalidade. 


Posso estar errado, mas acho que perto de uns 70% de vocês vão para a terra dos pés-juntos ao lado de um homem de branco dizendo que já fez de tudo ou que esqueceu alguma coisa de metal ao lado do seu pâncreas. E poucos momentos e frases são tão emblemáticas de uma área quanto a clássica “Relaxe, é só uma cirurgia simples”.

O problema, é óbvio, não está nas palavras em si, que são claramente uma tentativa de relaxar alguém que está prestes a entrar na faca. Às vezes funciona, às vezes não, e às vezes alguns tentam sair correndo antes de serem sedados à força. Ninguém em sã consciência relaxa ao saber que vai ser aberto como um peru de natal a ser recheado de farofa. Mas como o ser humano é dado a ilusões, e ao auto-engano, para não dizer à burrice mesmo, então dá-lhe bisturi.

Como uma cirurgia é sempre um procedimento de alto risco, e implora para dar errado desde o momento que alguém tem a idéia de realizá-la, a sorte que muitos tem de conseguir sobreviver a uma incursão dessas é a evidência definitiva de que já perdi a forma. Em outras palavras: não é a medicina que está evoluindo, eu é que ando meio preguiçoso mesmo.

O que muitos de vocês não percebem é que esta frase esconde uma pegadinha, ou uma puta sacanagem, como queiram, que ludibria os mais incautos. Há uma palavra que não surge ali, mas que está presente na cabeça do médico, do cirurgião, ou mesmo do leigo que a omitem apenas para tranquilizar o futuro presunto. Quando alguém diz “Relaxe, é só uma cirurgia simples” subentenda-se que logo após há um insinuante “…Espero”. Há mais sabedoria neste curto “espero” não dito do que em todos os compêndios de medicina já escritos.

Não dá nem para dizer que haja dolo nesta pequena omissão. O que o ser humano tenta escamotear com estas últimas palavras é uma falsa sensação de poder sobre uma mentira secular: a lenda de que o corpo humano é uma máquina perfeita e que basta uma pequena regulagem na parte interna para ficar como nova. Não acreditem nisso.

O corpo humano, na real, é um erro de engenharia tão grosseiro que se houvesse uma CPI da criação certamente descobririam algum desvio de verba no projeto. Nada é mais tosco, mal-ajambrado, e ridiculamente frágil do que esta porcaria que vocês usam. O corpo humano só perde o prêmio de pior design da natureza por uma questão de regras. Se os ornitorrincos fossem considerados hors concours o troféu já era de vocês há muito tempo.

O que há de mais irônico em “Relaxe, é só uma cirurgia simples” é que quem diz isto no fundo sempre sabe que não é. O número de coisas que podem dar errado em uma cirurgia sempre supera em cinco ou seis vezes o número do que pode dar certo, e se você estiver usando convênio, o número dobra.

Mas caso não haja escolha e você tenha que entrar para a turma do zíper, peçam para que lhe digam apenas um breve e curto “relaxe”. Porque a única coisa “simples” em uma cirurgia é o meu serviço depois.

Diário da Foice, 10 de maio de 2010


Fonte: Diário da Foice - WordPress

Reunião de Condomínio é Fatal!


Aluguei um apartamento de quarto-e-sala na Tijuca, perto do morro do Borel, ou seja, a cinco minutos a pé de um local onde eu tenho bastante trabalho. O valor do aluguel era baixo, o do condomínio era menor ainda, e eu podia apanhar o pessoal que morria de bala perdida sem sair de casa, só esticando a mão pela janela. Perfeito para mim. Mas, como eu disse, não deu muito certo.


Conviver com traficantes, tiroteios constantes e pessoas morrendo feito moscas é moleza. Duro mesmo é aguentar reunião de condomínio. A única e última da qual participei foi uma experiência tão desagradável que fiquei com vontade de ME mandar para o inferno. Só não fui por medo de encontrar outra reunião de condomínio por lá.

Foi em um salãozinho de festas mequetrefe do prédio, com pouco mais de meia-dúzia de pessoas e sem ar-condicionado. Comecei a me sentir otário já ali, só por ter ido. A sensação de tempo perdido em uma reunião de condomínio foi semelhante a que eu tive durante o dilúvio, quando fiquei 40 dias e 40 noites coçando o saco esperando a água baixar pra começar a trabalhar de novo.

O encontro começou com o síndico lendo a ata da reunião anterior. Um saco. Depois começou-se a discutir algumas reformas no sistema de esgoto, falou-se sobre crianças que depredavam o playground, sobre o cheiro ruim da lixeira do quinto andar, sobre o salário de um zé-mané que fazia tudo… Aquilo parecia tão INTERMINÁVEL que fez os 12 bilhões de anos de formação do Sistema Solar, que eu presenciei em pé, parecer um pulinho na padaria. Mas mal sabia eu que o pior estava por vir: as reclamações. A coisa fedeu pro meu lado.

Uma das moradoras, uma gordinha com cara de fofoqueira se levantou e disse, me olhando meio de lado, que depois que “certas pessoas” se mudaram para lá, tudo andava muito esquisito. Todo mundo olhou para mim, claro. Entendi a indireta, mas fiquei na minha, não passei o recibo.

Outro me acusou de entrar e sair do prédio pelo menos umas dez mil vezes por dia e que não suportava o barulho de abrir e fechar do portão. Eu me defendi dizendo que precisava sair para trabalhar essas dez mil vezes, até mais em caso de dia que tem alguma catástrofe por aí, e que ninguém não tinha nada a ver com a minha vida! Começamos a bater boca ali, barraco geral, o síndico pediu silêncio e nos acalmamos. Alguém até me trouxe um copo d’agua.

O momento de calmaria durou pouco, um sujeito de camiseta regata e bermudão começou a me detonar outra vez dizendo que me flagrou dentro do apartamento dele perto da sua avó de 96 anos. E eu disse que só estava fazendo uma pesquisa de mercado no prédio, só conferindo o endereço caso eu tivesse que levá-la uma hora ou outra, na semana que vem para ser mais exato. Pra quê! A discussão voltou geral, ofensa pra todo lado.

Até que uma mulher de bobs no cabelo pediu a atenção e reclamou que desde que eu havia chegado lá TODOS os animais de estimação do prédio haviam morrido. Como eu explicava isso? Olhei para cima, fingi que não era comigo. Mas todo mundo sabe que odeio bichos e qualquer um que tenha um yorkshire que late às três da manhã merecia morrer também. Eu até que PEGUEI LEVE.

A reunião descambou para todo mundo me perguntando sobre várias outras mortes que ocorreram por ali. Eu expliquei que a vida é assim, que às vezes prefiro trabalhar perto de casa, e que num condomínio grande daqueles qualquer um poderia morrer de uma hora pra outra, principalmente ao lado do Borel! Mesmo contrariado, o pessoal concordou. De algumas verdades não dá pra fugir.

Completei dizendo que ali era uma área perigosa, que uma bala perdida poderia atingir qualquer um a qualquer momento, como atingiu o seu Tino do 512. Todos ficaram surpresos “O Seu Tino morreu? Mas onde é que está o corpo?”. Eu suspirei e disse “Sabe o cheiro ruim da lixeira do quinto andar? Pois é, o problema NÃO É a lixeira”. Todos saíram correndo para resolver o assunto e me deixaram sozinho.

Fui embora dali pra nunca mais voltar. Levei comigo a certeza de que se o diabo fosse esperto patentearia esse troço, se é que a idéia já não foi dele. Qualquer dia eu ligo só pra perguntar.

Diário da Foice, 05 de fevereiro de 2010


Fonte: Diário da Foice - WordPress

Aproveita que o Sinal está Amarelo!


Os acidentes de trânsito revelaram-se eventos tão cheios de possibilidades e variações que chega a ser difícil escolher o melhor tipo e o mais funcional. Afinal quase todos me garantem um serviço rápido e sem complicações. Mas se há um tipo que me diverte, confesso, são aquelas cacetadas nas quais vocês dizem, pouco antes de virarem parte das ferragens, a fatal frase “Aproveita que o sinal está amarelo!”, mais um clássico moderno das últimas palavras.


Este tipo de acidente nasceu do maquiavelismo inerente ao ser humano. E por “maquiavelismo inerente” entendam “filha-da-putice da grossa”. Porque o que poucos de vocês sabem é que antigamente os semáforos tinham apenas duas fases, o verde e o vermelho. No verde o motorista avançava, no vermelho ele freava. Nada mais simples do que isso. Funcionava muito bem e o número de acidentes era baixíssimo. Eu tinha tão pouco serviço em acidentes de trânsito nessa época que investia o meu tempo em outras áreas, como Guerras Mundiais, por exemplo.

Ocorreu que a indústria automobilística entrou em crise em determinado período dos anos 20. Os motivos principais eram a durabilidade dos carros e a satisfação dos consumidores em ter apenas um veículo para a vida toda. Desesperada, e precisando aumentar suas vendas de qualquer maneira, a indústria teve a brilhante idéia de fazer os consumidores estragarem seus veículos de forma mais rápida chocando-os uns contra os outros. As grandes montadoras fizeram então um acordo com as prefeituras das cidades, que logo mobilizaram seus engenheiros de tráfego, e criaram o nefasto sinal AMARELO. O que era certeza, então, tornou-se dúvida .

Sim, é para isso que o sinal amarelo serve: deixá-los em dúvida. A frase “Aproveita que o sinal está amarelo!” é fruto da titubeada de alguém, normalmente um braço-duro dos infernos que jamais deveria conduzir um carro (89% de vocês, em média). Ela tanto pode ser dita por quem está ao lado do motorista, apressando alguém meio lerdo, como apenas atravessar rapidamente os pensamentos de quem está ao volante. Em ambos os casos, ela é a última coisa a passar pela cabeça da pessoa. Ou a penúltima, caso o carro não tenha air-bag.

Mas não vejam isso como uma crítica à indústria automotiva, porque, pessoalmente, sou muito grato a ela. Devo à invenção do automóvel os melhores momentos da minha vida profissional no século XX. Assim que Ford inaugurou a primeira linha de montagem em série da história, eu inaugurei a primeira linha de desmontagem em série de vocês. A indústria automobilística, por mais que se considere uma transformadora de matéria-prima em produtos, no fundo não passa de uma mera fornecedora de matéria-prima para mim. Não tenho do que reclamar. Já vocês, me desculpem a sinceridade, não passa de uns manés nas mãos dessa gente.

Portanto quando alguém disser a você as palavras “Aproveita que o sinal está amarelo!” freie caso queira continuar vivendo. Nunca ache que vai dar tempo, porque não dá. Quando acontece de funcionar é porque vocês me pegaram muito ocupado com alguma outra questão em Gaza, ou no Afeganistão, ou em outro lugar assim, e por isso deixei passar batido. Mas se eu estiver perto, perdoem o trocadilho, não deixo passar a batida.

Ao avançarem um semáforo com a luz central acesa saibam que a única coisa amarela certa nesta história será o sorriso de vocês quando me encontrarem. Já eu me aproximarei com o meu mais alvo arreganhar de dentes e direi, como sempre, “BEM FEITO!”.

Diário da Foice, 08 de junho de 2010


Fonte: Diário da Foice - WordPress

Atenção Passageiros Vamos Aterrissar!

Podem perguntar a qualquer piloto que eu ainda não levei: os dois momentos mais arriscados de um voo são a decolagem e a aterrissagem. Geralmente acompanho TODOS os vôos de muito perto e posso confirmar: o negócio é brabo mesmo. Se não fosse o meu trabalho JAMAIS entraria em um avião. Sempre que acompanho uma decolagem e uma aterrissagem acho que alguém como eu virá ME buscar.


Pousos mal-sucedidos são um espetáculo da engenharia humana. Nada impressiona mais que a descida de um avião que começa numa pista de pouso e termina dentro de um supermercado ou um posto de gasolina. Por isto é que quando ouço as simpáticas últimas palavras “Atenção, passageiros, vamos aterrissar” até mesmo eu, a Morte, sente um friozinho na espinha.

Obviamente que há variações como “Atenção, senhores passageiros, apertem os cintos, e atentem para os procedimentos de aterrissagem” . Mas se houvesse uma forma mais completa, estaria seria “Atenção, senhores passageiros, vou tentar depositar 200 toneladas de metal, combustível, e carne humana, à velocidade de 500km/h sobre uma pista de asfalto e seja o que Deus quiser”, mas acho que isso não tranquilizaria muito vocês.

Ninguém poderia imaginar, mas quando Santos Dumont fez o 14 Bis decolar e pousar naquele fatídico ano de 1906, fiquei muito puto. Aquele inventorzinho nanico e afetado conseguiu estragar um dos maiores prazeres da minha vida que era ver vocês tentarem voar (e fracassarem, claro). Vocês tem os seus “Friends”, “Seinfeld”, “Grande Família”, eu não. Para mim nada superou em humor até hoje a história da aviação. Todos os anos eu levava pelo menos uns 300 de vocês em engenhocas cada vez mais ridículas em cenas de empacotamento hilárias! Que saudade…

Porém, em 1908, fui fazer um serviço de rotina buscando um tenente do exército americano que havia quebrado pelo menos 80% dos ossos do corpo. O acidente se deu numa máquina esquisita que eu nunca tinha visto antes. “Aquilo é um avião motorizado de asas fixas”, disse-me ele, “o primeiro modelo da história”. O sorriso então voltou novamente à minha face: o futuro estava nos acidentes aéreos, óbvio! Como eu não havia pensado nisso antes? Havia esperança. Com esta experiência aprendi que quando a vida fecha uma porta, uma janela se abre em algum lugar. E se for a janela de um avião que se abra a dez mil metros de altura, melhor ainda.

Talvez a a forma mais tranquila de se dizer “Atenção, senhores passageiros, vamos aterrissar” fosse a mais curta e mais simples: “Atenção, senhores passageiros, REZEM!”. Mas como mais da metade de vocês já fazem isso automaticamente, talvez, de fato, não seja preciso dizer.

Só sei que todas as vezes que ouço estas últimas palavras, eu saio da cabine de comando e vou para área dos tripulantes. Ali eu estico as pernas, faço um alongamento, um aquecimento, tomo um café. Porque, nunca se sabe, um serviço pode estourar a qualquer momento. Literalmente.

Ah, sim, aproveitando: fiquem tranquilos quando vocês não encontrarem a caixa-preta de um avião. Quando isso acontece é porque eu levei a fita pra estudar em casa, para melhorar minha performance nas próximas. Afinal, depois de tanto esforço pra se matarem, vocês merecem o melhor de mim.

Diário da Foice, 22 de junho de 2010


Fonte: Diário da Foice - WordPress

Um Dia das Mães Inesquecível

Eu não tenho mãe. E ser uma espécie de filho de chocadeira do além não é algo muito agradável, acreditem. Faço análise há quase 87 anos para superar este trauma e não consegui nada até hoje a não ser descobrir que minha foice é uma extensão de um pênis que eu também não tenho. Até aceito, numa boa, ser uma aberração desnaturada, cruel e demoníaca, um arquétipo criado na Idade Média representando todo o mal do mundo, mas ainda assim dói saber que nunca alguém me deu de comer fazendo “olha o aviãozinho”.


Por isto o Dia das Mães para mim é sempre um tormento que vai além de comprar um presente nas Lojas Americanas e ficar horas na fila. Todas as vezes que chega esta data fico mais sensível, principalmente depois de um emocionante e fatídico dia das mães que presenciei anos atrás. Um dia que me fez entender o que é ser filho e o que é ser mãe.

Estava eu num asilo de idosos fazendo uma faxina semanal (bem, creio que não preciso dizer que não falo de varrer o chão…) quando entrei no quarto de uma velha senhora acamada que parecia ter uns 100 anos. Ela estava muito doente e dormindo tão profundamente que cheguei a conferir minha lista duas vezes para ver se eu já não havia passado por ali.

Ao lado da cama, segurando a mão da velha senhora, estava o filho, um homem de sessenta anos com ar de aposentado, cansado e também muito abatido. Assim que ele me viu, assustou-se como se despertasse de um sono, e se aproximou de mim num pulo:

— Ó, não! Por favor, ó ceifador de almas, eu imploro: não leve a minha mãe hoje.

— E quem disse que eu vim buscar a sua mãe? – respondi, enigmático.

— A minha tia Lucrécia saiu para tomar um café – ele continuou, ingênuo – e deve voltar logo.

— Também não vim buscar a sua tia.

— Ah, não? Então veio buscar alguém do quarto ao lado?

— Ô, mané: se eu quisesse levar alguém do quarto ao lado eu teria entrado lá.

— Mas então você veio buscar quem?

— Adivinhe.

O pobre coitado ficou pálido. Não sou muito fã das ironias da vida, mas daquela vez, confesso, achei engraçado.

— Eu? E-eu morri?!

— Tecnicamente ainda não. Mas se você está me vendo é porque, babau, já era!

— M-mas e-eu morri do quê?!

— Bem, falando de um jeito simples: sabe as três pontes de safena que você tem no coração?

— Sei.

— Deveriam ser quatro.

O homem então ficou de olhos vidrados, sentou-se na poltrona do quarto e acendeu um cigarro num gesto mais que automático. Mas quando percebeu que aquilo só justificava ainda mais o motivo de eu estar ali, apagou-o no mesmo instante, constrangido. Ele então se levantou e me puxou para um canto, afastando-me da cama da mãe, e fez o mais comovente pedido que eu já ouvi na vida.

— Morte, por favor, aquela velha senhora ali na cama vai falecer em poucos dias.

— Depois de amanhã – confirmei, bem profissional.

— Pois é isto o que eu quero dizer. Morte, eu sou filho único e vim de longe para passar o domingo com ela. Não é justo que ela me veja morrer na véspera de um dia das mães. Pense bem, foi esta mulher quem me pôs no mundo. Eu sou tudo que ela ama nesta vida e sou tudo o que ela vai deixar aqui. Você não pode tirar dela a única esperança, a única alegria, que ela ainda pode ter. Eu peço, cara Morte, encarecidamente eu imploro por pelo menos menos um dia a mais, um dia só. Que você me permita um último dia das mães com a minha mãe, por favor.

Se eu tivesse um coração talvez ele até tivesse batido uma ou duas vezes neste momento. Juro que eu seria capaz de verter até mesmo uma rara lágrima com aquele discurso, mas me contive. Resignei-me a demonstrar algo parecido com afeto esticando o prazo, algo que raramente faço, e disse que voltaria sem falta à meia-noite do próximo dia para levá-lo. Nem um minuto a menos, nem um minuto a mais. Ele me agradeceu de joelhos.

No dia seguinte, no pequeno almoço de família improvisado no quarto do asilo, a velha senhora e o seu filho tiveram o seu último dia. Os dois abriram presentes, trocaram palavras de carinho, folhearam álbuns com antigas fotos e lembranças de infância e de uma família que não existia mais. O filho lembrou bons momentos do pai já falecido há anos, e de como ele morreu afogado em uma pescaria. A velha concordou que foi muito triste, mas desconversou. Só eu e ela sabíamos que seu ex-marido havia morrido afogado bêbado numa banheira de motel onde havia passado a noite com uma prostituta. Impressionante como todo mundo vira santo depois que morre.

Após a sobremesa, então, a velha senhora ganhou um ar grave e pediu para que o filho se aproximasse dela. Disse que havia um assunto muito importante para conversarem. Ela queria lhe falar de algo que não poderia mais esconder em seu velho coração de mãe, ainda mais que ela sentia que não viveria muito depois daquele dia. Um segredo de família. Então o filho disse que já sabia que o pai havia morrido numa banheira de motel. Ela disse que não era aquele segredo, era outro, e com a maior tranquilidade do mundo emendou: “Filho, você foi adotado”.

Ao ouvir isso, empacotei o cara na hora, claro. Sem chance de papinho, ataque cardíaco fulminante. O sujeito se estatelou no chão sem chance de volta. Sua alma partiu extremamente irritada pra cima de mim:

— Ficou maluco?! O combinado não era até à meia-noite?!

— Sim, mas o combinado valeria se ela fosse a sua MÃE! Ontem você havia me dito que ela havia posto você no mundo e coisa e tal. Parece que não é esse o caso.

— E daí, quem liga pra isso?! Esta mulher cuidou de mim a vida toda. Ela me alimentou, me vestiu, me deu carinho, me levou pra escola, pra passear, ficou do meu lado na hora das doenças, na hora da alegria, me ajudou nos momentos difíceis e me ensinou o que é a vida. Mãe não é só quem bota a gente no mundo, seu imbecil! Mãe é QUEM CRIA!

Aí eu não aguentei. Gritei “chega!” e empacotei a velha também. Pronto. Serviço completo. Porque eu não sou burro e entendi perfeitamente naquele dia o que é ser mãe. Só não sou obrigado a ter paciência com gente que cada hora fala uma coisa.

Diário da Foice, 7 de maio de 2010.


Fonte: Diário da Foice - WordPress.