segunda-feira, 11 de julho de 2016

Testemunha de um Enforcamento


Um velho de nome Daniel Baker, que vivia em Lebanon, Iowa, era suspeito, segundo os vizinhos, de ter assassinado um mascate que obtivera permissão para pernoitar em sua casa. Isso aconteceu em 1853, quando vendedores ambulantes eram coisa mais comum no Oeste do que são hoje, e quando os perigos eram maiores. 

O mascate, com sua maleta, atravessava os campos por todo tipo de estrada deserta e tinha de contar com a hospitalidade dos camponeses. Isso colocava-o em contato com tipos estranhos, alguns não muito escrupulosos em seus métodos de ganhar a vida, sendo o assassinato um meio aceitável para alcançar tal objetivo. Às vezes acontecia de um mascate, com a maleta já vazia e a bolsa de dinheiro cheia, ir até a moradia solitária de algum mau-caráter e depois nunca mais se ter notícias dele.

Foi assim o caso envolvendo o "velho Baker", que era como o chamavam. (Nos povoados do Oeste, esse tipo de apelido só é dado a pessoas que não são muito benquistas; àquele que é malvisto pela sociedade aplica-se a referência reprovadora à idade.) Um mascate apareceu na casa dele e nunca mais foi visto — era só o que se sabia.

Sete anos depois, o reverendo Cummings, pastor batista muito conhecido naquela região, ia passando certa noite perto da fazenda de Baker. Não estava muito escuro: havia um pedaço de lua em algum lugar acima da bruma leve que encobria os campos. O Sr. Cummings, sempre bem-humorado, assobiava uma canção, que interrompia de vez em quando para dizer uma palavra de encorajamento a seu cavalo.

Ao se aproximar de uma pequena ponte que cruzava uma ravina seca, viu a figura de um homem de pé, claramente delineado sobre o fundo cinza e enevoado da floresta. O homem trazia alguma coisa atada às costas e levava um grosso cajado — obviamente, um vendedor ambulante. Havia em suas maneiras um certo alheamento, como nos sonâmbulos. O Sr. Cummings puxou as rédeas do cavalo quando chegou diante dele e saudou-o com simpatia, convidando-o a subir na carroça — "se estiver indo na minha direção", acrescentou.

O homem ergueu o rosto, encarou-o, mas nem respondeu nem saiu do lugar. O pastor, com seu persistente bom humor, repetiu o convite. Então o homem esticou a mão direita e apontou para baixo, enquanto continuava de pé na beirada da ponte.

O Sr. Cummings olhou para onde ele apontava, em direção à ravina, mas, não vendo nada demais, virou-se para olhar de novo para o homem. Ele havia desaparecido. O cavalo, que durante todo o tempo estivera estranhamente inquieto, soltou no mesmo instante um relincho de terror e disparou.

Quando conseguiu recuperar o controle do animal, o pastor já estava no alto da montanha, centenas de metros adiante. Olhou para trás e viu a figura do homem outra vez, no mesmo lugar e com a mesma atitude que observara. E então, pela primeira vez, foi invadido pela sensação do sobrenatural e partiu para casa a toda velocidade, como o cavalo queria.

Em casa, contou sua aventura à família e, no dia seguinte cedo, acompanhado por dois vizinhos, John White Corwell e Abner Raiser, voltou ao tal lugar.

Lá encontraram o corpo do velho Baker pendurado pelo pescoço numa das vigas da ponte, bem embaixo do lugar onde a aparição estivera de pé. Uma fina camada de poeira, levemente umedecida pela bruma, cobria o chão da ponte, mas apenas as pegadas do cavalo do Sr. Cummings eram visíveis.

Ao retirar o corpo, os homens revolveram o chão de terra fofa, esboroada, da encosta, acabando por desenterrar ossos humanos que estavam quase descobertos graças à ação da água e das geadas. Os ossos foram identificados como sendo do mascate desaparecido.

No duplo inquérito aberto pelo júri local, ficou comprovado que Daniel Baker havia sido morto pelas próprias mãos, num momento de temporária insanidade, e que Samuel Morritz fora assassinado — por quem, o júri não sabia.


Visões da Noite / Ambrose Bierce; organização e tradução Heloísa Seixas. - Rio de Janeiro: Record, 1999.

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