segunda-feira, 11 de julho de 2016

Mensagem sem Fio


No verão de 1896, o Sr. William Holt, um empresário bem-sucedido de Chicago, estava vivendo temporariamente numa cidadezinha no centro do estado de Nova York, de cujo nome este escritor não se lembra. O Sr. Holt tinha "tido problemas com a mulher", de quem se separara no ano anterior. 

Se fora alguma coisa mais grave do que "incompatibilidade de gênios", ele é talvez a única pessoa que poderia dizer, já que não cultivava o hábito de fazer confidências. Mesmo assim, contou os incidentes que relatarei aqui a pelo menos uma pessoa, sem que pedisse segredo. Hoje ele vive na Europa.

Certa noite, Holt havia saído da casa do irmão, que acabara de visitar, para um passeio pelos campos. Pode-se supor — seja qual for o valor dessa suposição, diante do que se diz ter acontecido — que ele tivesse a mente ocupada por reflexões sobre sua infelicidade doméstica e sobre as mudanças ocorridas em sua vida.

Fossem quais fossem seus pensamentos, o fato é que o absorveram de tal forma que ele não sentiu nem a passagem do tempo nem para onde seus pés o levavam. Sabia apenas que ultrapassara em muito os limites urbanos e que agora atravessava uma região deserta, por uma estrada que não se parecia em nada com a que tinha trilhado ao deixar a cidade. Em resumo, estava perdido.

Percebendo a má sorte, sorriu. A região central do estado de Nova York não era perigosa, nem ninguém é capaz de ficar perdido ali por muito tempo. Virou-se e recomeçou a andar pelo mesmo caminho por onde viera.

Antes que fosse muito longe, notou que a região em torno ficava cada vez mais estranha — e clara. Tudo estava envolto num halo de luz suave e avermelhada, na qual via sua própria sombra projetar-se sobre a estrada. "A lua está nascendo", disse a si mesmo. Mas em seguida lembrou-se que era tempo de lua nova e que, mesmo se o astro enganoso estivesse num de seus estágios visíveis, com certeza já teria desaparecido no horizonte.

Parou e olhou em volta, procurando a fonte daquela luminosidade, que se espalhava rapidamente. Ao fazê-lo, viu a própria sombra projetar-se à sua frente na estrada, da mesma forma como quando estivera virado para o outro lado. A luz continuava vindo de trás dele. Era surpreendente.

Não podia compreender. Voltou-se outra vez, e mais outra, virando-se para todos os pontos do horizonte. A sombra continuava à sua frente — e a luz atrás, "aquela vermelhidão estranha, quieta".

Holt ficou assombrado — "bestificado" é a palavra que usaria depois, ao relatar o caso —, mas ainda assim manteve uma certa curiosidade racional.

Para testar a intensidade daquela luz, cuja causa e natureza não podia determinar, tirou o relógio para ver se conseguia enxergar-lhe os ponteiros. Estavam perfeitamente visíveis, mostrando que eram 11 horas e 25 minutos. Naquele instante, a misteriosa luminosidade de repente explodiu num esplendor intenso, quase capaz de cegar, tomando todo o céu e fazendo desaparecerem as estrelas, enquanto projetava para a frente a sombra agora descomunal de Holt.

Foi sob aquela luz assombrada que ele viu, a pouca distância mas a uma certa altura, como se flutuasse, a figura de sua mulher, vestida com roupas de dormir e segurando junto ao seio o filho deles. Os olhos dela encaravam-no com uma expressão que Holt mais tarde se diria incapaz de definir ou descrever, embora ressaltasse que "não era deste mundo".

A luz intensa foi momentânea e logo tudo escureceu, embora a aparição ainda permanecesse visível, pálida e imóvel. Em seguida, foi aos poucos morrendo até desaparecer de todo, como a imagem de uma luz forte que fica na retina depois que fechamos os olhos. Uma peculiaridade daquela aparição, a princípio não notada, mas que ele mais tarde recordaria, é que ele vira apenas a parte superior da figura da mulher: nada havia da cintura para baixo.

A escuridão repentina não foi absoluta e logo ele pôde discernir tudo à sua volta.

Na penumbra da manhã, deu por si entrando na cidade, pelo lado oposto ao qual havia saído. Pouco depois chegou à casa do irmão, que mal o reconheceu. Tinha os olhos injetados e, desvairado, estava da cor do pelo de um rato. De forma quase incoerente, Holt relatou o que se passara.

"Vá para a cama, meu rapaz", disse-lhe o irmão, "e espere. Vamos acabar descobrindo mais sobre isso.”

Horas depois, chegava o telegrama predestinado. A casa de Holt, num dos subúrbios de Chicago, fora destruída pelo fogo. Acuada pelas chamas, sua mulher aparecera na janela, com o filho nos braços. Ali ficara, imóvel, aparentemente em choque.

No momento exato em que os bombeiros chegavam com uma escada, o chão desabara, e ela não fora mais vista. O momento culminante do horror fora às 11 horas e 25 minutos.


Visões da Noite / Ambrose Bierce; organização e tradução Heloísa Seixas. - Rio de Janeiro: Record, 1999.

Nenhum comentário: